Por: Tisa Moraes | |
Médicos e estabelecimentos de saúde que oferecem descontos em consultas
e exames por meio de parceria com empresas funerárias estão na mira do
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). A
prática é proibida pelo Código de Ética Médica porque estaria
mercantilizando a atividade médica, além de estabelecer uma concorrência
desleal entre os profissionais.
As funerárias de Bauru, cujos contratos de fundo mútuo abrangem cerca
de 150 mil pessoas na cidade, argumentam que os cartões de desconto são
um “trabalho social” que não pode ser desconsiderado, já que são
comercializados a quem não pode contar com plano de saúde e não quer
depender do Sistema Único de Saúde (SUS) (leia mais abaixo). O Cremesp
rebate a justificativa e aponta que os consumidores estão sendo
induzidos a acreditar que o serviço prevê atendimento médico integral,
embora cubra apenas consultas e exames.
Por este motivo, o conselho notificou, recentemente, 575 médicos e 100
estabelecimentos que mantêm convênio com empresas do ramo. A entidade
não soube informar quantos deles seriam de Bauru, mas destacou que foram
identificadas funerárias oferecendo descontos em procedimentos médicos
em 95 cidades do Estado.
Sem cadernos
O conselheiro do Cremesp Carlos Alberto Monte Gobbo explica que, devido
à atuação do órgão, as funerárias deixaram de distribuir aos associados
os livretinhos com os nomes dos profissionais pertencentes à sua “rede
credenciada”. “Estes cadernos acabavam norteando a fiscalização feita
pelo conselho. Por conta disso, as funerárias não têm mais
disponibilizado esta lista. Agora, o associado tem de ligar para a
empresa, que indica o médico”, frisa.
A vinculação de médicos a cartões de desconto foi transformada em
infração ética em 2006, a partir da resolução Cremesp nº 15. A proibição
foi reforçada pelo novo Código de Ética, que entrou em vigor no ano
passado.
“O entendimento é de que desconto acaba funcionando como uma vantagem
para o profissional angariar clientela. É uma concorrência desleal com
os médicos que ganham menos dos planos de saúde, que são regulamentados
pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e mantém um
compromisso, de fato, com o usuário e o sistema hospitalar”, pontua
Gobbo.
Conforme o JC apurou, enquanto os médicos vinculados a planos de saúde
recebem cerca de R$ 40,00 por consulta, os profissionais “conveniados”
com as funerárias ganham, em média, R$ 75,00 por atendimento, já que,
geralmente, é oferecido desconto de 50% sobre o valor da consulta
particular.
‘Propaganda enganosa’
No mês passado, o Cremesp solicitou aos profissionais que encerrassem
os convênios com as funerárias e enviassem ao conselho, no prazo de 90
dias, o comprovante de desligamento. Quem não atender ao pedido,
conforme o órgão, poderá sofrer processo ético e até perder a licença
profissional.
Além de antiética, a prática também pode ser classificada como
propaganda enganosa, segundo a análise do conselheiro. “O grande
problema é que esse tipo de serviço dá a falsa ideia de que a
assistência de saúde é integral. Mas não é. Não há garantias de
internação, cirurgia ou mesmo de exames mais complexos”, afirma Carlos
Alberto Monte Gobbo.
Procurada, a ANS afirmou que não possui autonomia para fiscalizar a
atuação dos profissionais ou das funerárias, mas salientou que todas as
operadoras de plano de saúde registradas estão proibidas de oferecer
cartões de desconto, ainda que outras empresas não estejam impedidas de
fazê-lo.
Para o empresário Rogério Costa Colnaghi, proprietário de uma empresa
de assistência funerária de Bauru, os estabelecimentos realizam um
“trabalho social” ao permitir que pessoas com poucos recursos
financeiros tenham acesso à saúde privada. “Os associados sabem que não
possuem plano de saúde, apenas um bônus por ter contratado o plano de
fundo mútuo. Isso é deixado bem claro, não há ilegalidade”, defende.
Colnaghi, entretanto, frisa que o setor tem se mostrado disposto a
discutir a criação de diretrizes para o atendimento junto ao Cremesp.
Outras duas empresas funerárias foram procuradas pelo JC, mas preferiram
não se pronunciar.
Sem serviço, empresário acredita em sobrecarga no SUS
A tentativa do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
(Cremesp) de exigir o descredenciamento dos médicos conveniados a
funerárias deverá sobrecarregar o Sistema Único de Saúde (SUS), conforme
avalia Rogério Costa Colnaghi, proprietário de uma empresa de
assistência funerária de Bauru. “Muitos dos que usam os descontos não
têm condições de migrar para planos. Se este benefício for cortado, elas
terão de recorrer ao sistema público”, pontua.
Segundo ele, a partir de R$ 17,20 mensais que são cobrados pela
assistência funerária, o associado passa a ter desconto de 50% em
consultas médicas, odontológicas e exames laboratoriais. “Em Bauru,
estimo que cerca 150 mil pessoas sejam atendidas pelos planos
funerários, embora nem todas usem o desconto por já terem plano de saúde
ou não terem condições de pagar a consulta particular, mesmo com o
abatimento”, pontua.
De acordo com Colnaghi, nenhum valor extra é cobrado do associado pelo
serviço. “Ele paga diretamente ao médico, a gente não ganha nada com
isso e não vê nada de ilegal. Trata-se de um trabalho social que, no meu
entendimento, é benéfico para a população”, aponta.
Esta também é a avaliação da manicure Firmina Soares da Silva, 63 anos,
que paga um plano de fundo mútuo que assegura a assistência funerária
para ela e quatro familiares. “Um dos meus netos já usou o desconto para
um exame, mas, geralmente, a gente vai no posto de saúde ou nos
hospitais públicos. De qualquer maneira, acho bom ter esta garantia. Em
caso de necessidade, a gente arruma o dinheiro e tem a quem recorrer”,
frisa ela, que faz tratamento contra um câncer desde junho deste ano.
Fonte: JCNET
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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
‘Plano de saúde’ oferecido por funerárias na mira do Cremesp
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